Autor: heinar Kipphardt
Diretor: Jean-Luc Descaves
1965, abril, Teatro Aliança Francesa
Bastava a leitura desta
peça de Heinar Kipphardt para se ter a impressão da sua debilidade como texto
escrito para ser transformado em espetáculo. Se “O Caso Oppenheimer” nos coloca perante a
flagrante atualidade de problemas cruciais para a consciência universal (e isso
é um mérito extraordinário) sua realização, porém, nos pareceu, desde logo, extremamente
difícil quando fosse testada no placo. A comunicação das ideias teria de
fazer-se com recursos cênicos que a peça não pressupunha. O diretor teria de recriar
elementos demasiadamente estáticos, de natureza muito verbal. A ausência de situações,
a complexidade dos problemas propostos à inteligência (e cultura) do espectador,
a dificuldade em seguir o ritmo das palavras sem as poder repensar, a carência
de uma dinâmica que as explicasse pela imagem, tudo contribuiu para tornar
dificílima, fatigante, sem significado, uma peça muito importante, muito
oportuna e muito válida. Assistimos ao julgamento de Oppenheimer, o “pai da bomba atômica", acusado de traição aos
Estados Unidos só porque tem escrúpulos de consciência e recusa sua colaboração
na invenção de uma bomba ainda mais mortífera e terrível para a humanidade, sem
que uma tomada de posição venha garantir ao espectador se é ele que está com a
verdade. Tudo resulta confuso e pastoso. A peça se esvazia de conteúdo no
decurso do seu lento desbobinar. Os personagens não se caracterizam na dimensão
dramática de uma realidade crítica que já pertence à história contemporânea.
Jean-Luc Descaves renunciou a essa tomada de posição e mostra-nos apenas um
julgamento comum, com o mínimo de solenidade burocrática, como se ele intencionalmente
se omitisse à recriação que lhe competia realizar e se limitasse a apresentar-nos
o texto literário, servido na bandeja do palco, com Heinar Kipphardt como único
responsável. Nem sequer utilizou todos os recursos que a peça indica. Teve
receio de interceptar o longo, e por vezes fastidioso, desenrolar das ideias,
com imagens e som que promovessem uma pausa para o espectador repensar.
Se Descaves tivesse evitado
todos estes obstáculos e fosse servido por um grupo de atores mais homogêneo o
espetáculo seria bem diferente. Seria melhor. Treze homens em cena é um problema.
É preciso que cada um e todos realizem um trabalho que seja de per si
e no conjunto, uma afirmação mais profunda da arte de representar. Jairo Arco e
Flexa, por exemplo, que é um ator de mérito, veste a pele de Oppenheimer, mas
jamais consegue ter o peso, a solenidade e a força que a grandeza do personagem
possui. E os outros atores são levados a seguir a mesma linha superficial.
Talvez uma exceção em Rubens de Falco e Paulo Vilaça. Estão mais ajustados à
distribuição conferida pelo diretor, o que não acontece com a maioria dos
outros. Há outra exceção ainda. Mas aqui a responsabilidade não é só de
Descaves. É também de Ferreira Leite. Seus recursos, marcadamente acadêmicos,
deram uma sugestão muito pessoal de um personagem que não é da peça, mas
resulta como se fosse.
Apesar de tudo isto, “O Caso Oppenheimer” deve ser visto. Mais: deve
ouvir-se com toda a atenção. Deve meditar-se e deve ser apoiado como espetáculo
que serve, não obstante, a todos os que têm o hábito de pensar e que amam a
dolorosa procura da verdade.
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