segunda-feira, 29 de abril de 2013
sexta-feira, 26 de abril de 2013
Um pouco de poesia
Voo
o bico da ave
da ave que voa
é a proa da nave
da nave que voa
as vigias da nave
da nave que voa
são os olhos da ave
da ave que voa
o coração da ave
da ave que voa
é o motor da nave
da nave que voa
as asas da nave
da nave que voa
são as asas da ave
da ave que voa
a alma da ave
da ave que voa
é a alma do Homem
do Homem que voa
Primavera de Estrelas.
quarta-feira, 24 de abril de 2013
"O Caso Oppenheimer" na Aliança Francesa
Espetáculo: O caso Oppenheimer
Autor: heinar Kipphardt
Diretor: Jean-Luc Descaves
1965, abril, Teatro Aliança Francesa
Autor: heinar Kipphardt
Diretor: Jean-Luc Descaves
1965, abril, Teatro Aliança Francesa
Bastava a leitura desta
peça de Heinar Kipphardt para se ter a impressão da sua debilidade como texto
escrito para ser transformado em espetáculo. Se “O Caso Oppenheimer” nos coloca perante a
flagrante atualidade de problemas cruciais para a consciência universal (e isso
é um mérito extraordinário) sua realização, porém, nos pareceu, desde logo, extremamente
difícil quando fosse testada no placo. A comunicação das ideias teria de
fazer-se com recursos cênicos que a peça não pressupunha. O diretor teria de recriar
elementos demasiadamente estáticos, de natureza muito verbal. A ausência de situações,
a complexidade dos problemas propostos à inteligência (e cultura) do espectador,
a dificuldade em seguir o ritmo das palavras sem as poder repensar, a carência
de uma dinâmica que as explicasse pela imagem, tudo contribuiu para tornar
dificílima, fatigante, sem significado, uma peça muito importante, muito
oportuna e muito válida. Assistimos ao julgamento de Oppenheimer, o “pai da bomba atômica", acusado de traição aos
Estados Unidos só porque tem escrúpulos de consciência e recusa sua colaboração
na invenção de uma bomba ainda mais mortífera e terrível para a humanidade, sem
que uma tomada de posição venha garantir ao espectador se é ele que está com a
verdade. Tudo resulta confuso e pastoso. A peça se esvazia de conteúdo no
decurso do seu lento desbobinar. Os personagens não se caracterizam na dimensão
dramática de uma realidade crítica que já pertence à história contemporânea.
Jean-Luc Descaves renunciou a essa tomada de posição e mostra-nos apenas um
julgamento comum, com o mínimo de solenidade burocrática, como se ele intencionalmente
se omitisse à recriação que lhe competia realizar e se limitasse a apresentar-nos
o texto literário, servido na bandeja do palco, com Heinar Kipphardt como único
responsável. Nem sequer utilizou todos os recursos que a peça indica. Teve
receio de interceptar o longo, e por vezes fastidioso, desenrolar das ideias,
com imagens e som que promovessem uma pausa para o espectador repensar.
Se Descaves tivesse evitado
todos estes obstáculos e fosse servido por um grupo de atores mais homogêneo o
espetáculo seria bem diferente. Seria melhor. Treze homens em cena é um problema.
É preciso que cada um e todos realizem um trabalho que seja de per si
e no conjunto, uma afirmação mais profunda da arte de representar. Jairo Arco e
Flexa, por exemplo, que é um ator de mérito, veste a pele de Oppenheimer, mas
jamais consegue ter o peso, a solenidade e a força que a grandeza do personagem
possui. E os outros atores são levados a seguir a mesma linha superficial.
Talvez uma exceção em Rubens de Falco e Paulo Vilaça. Estão mais ajustados à
distribuição conferida pelo diretor, o que não acontece com a maioria dos
outros. Há outra exceção ainda. Mas aqui a responsabilidade não é só de
Descaves. É também de Ferreira Leite. Seus recursos, marcadamente acadêmicos,
deram uma sugestão muito pessoal de um personagem que não é da peça, mas
resulta como se fosse.
Apesar de tudo isto, “O Caso Oppenheimer” deve ser visto. Mais: deve
ouvir-se com toda a atenção. Deve meditar-se e deve ser apoiado como espetáculo
que serve, não obstante, a todos os que têm o hábito de pensar e que amam a
dolorosa procura da verdade.
sexta-feira, 19 de abril de 2013
Um pouco de poesia
A Janela Perdida
Onde estão as nozes
da velha nogueira
com o braço verde
dentro da janela
E as ginjas carnudas
onde estão corando
ou estarão voando
no bico dos pássaros
E as uvas douradas
de cachos gulosos
tão doces roubadas
até pelas abelhas
E as tangerineiras
passo-sim-passo não
entre o laranjal
semeando o chão
Onde estão onde estão
as memórias da terra
se brotaram frutos
dos meus pés plantados
Onde estão as nozes
da velha nogueira
com o braço verde
dentro da janela
E as ginjas carnudas
onde estão corando
ou estarão voando
no bico dos pássaros
E as uvas douradas
de cachos gulosos
tão doces roubadas
até pelas abelhas
E as tangerineiras
passo-sim-passo não
entre o laranjal
semeando o chão
Onde estão onde estão
as memórias da terra
se brotaram frutos
dos meus pés plantados
O Poeta Descalço
Lisboa, 1978.
terça-feira, 16 de abril de 2013
quinta-feira, 11 de abril de 2013
Arena Conta Zumbi
Espetáculo: Arena conta Zumbi
Autor: Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri
Diretor: Augusto Boal
1965, maio, Teatro de Arena.
Arena Conta Zumbi
Autor: Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri
Diretor: Augusto Boal
1965, maio, Teatro de Arena.
Arena Conta Zumbi
Disse Antonio Vieira: “O Brasil tem o corpo na América
e a alma na África”. Não sei que luminosa intuição ou que tipo de pesquisa teria
levado o nosso famoso clássico, em plena segunda metade do século XVII, a
estabelecer as coordenadas desta afirmação. Mas sei que ela é verdadeira, como sei
que são autênticas as “brutalidades e os crimes de Vasco da Gama e Pedro Álvares
Cabral”, limpamente contadas pelo grande cronista português João de Barros, a
propósito da expedição punitiva organizada por dom Francisco de Almeida contra
aquilo que foi considerado na época “injúria negra”. Se eu tivesse, porém,
qualquer espécie de dúvida, o espetáculo do Arena varria do meu espírito a
ignorância: desde os autores aos intérpretes de “Arena conta Zumbi”, todos
são ali brasileiros (?) com alma africana. Melhor: todos são brancos com alma negra, cantando com entusiasmo e sinceridade
os delicados e angelicais negros de alma branca... Com efeito, Gianfrancesco
Guarnieri e Augusto Boal, os autores do script, revelando possuir
profundos conhecimentos das “imagens, atitudes, valores e estereótipos dos seus
antepassados” brancos, de suas reações perversas nas relações
cruéis com a
África e os africanos, fundamentam arbitrariamente
esse complexo confuso e mutável de mito e realidade e oferecem-nos este
espetáculo de teatro. Zumbi, o mito, assume na sua realidade romântica uma
pretensão de tese que não resiste à mínima especulação histórica (processo
dialético que os autores irreverentemente não utilizam). É óbvio que não apreciaremos
essa mensagem de Amor pela Liberdade com uma fundamentação tão frágil, tão
superficial e folclórica. Repugnaria à coerência que devemos a quem nos lê, como a todos repugnará
a velha lenda fascista do “comunista come criança”, dita, escrita (até já foi posta em teatro, também)
sussurrada ou gritada aos ignorantes e pobres de espírito. Glorifiquemos nossos
irmãos negros, a sua e a nossa liberdade, mas não se troquem os valores concretos
por abstrações demagógicas, não se confunda o mito com a realidade, nem se
distorça um e outra para atingir um populismo que é panfleto, mas não é arte.
Fixemos, pois, que, onde se vê e ouve o negro, deve ver-se e ouvir-se o
brasileiro. E onde está ou foi branco, é norte-americano. As calças Lee
e as execráveis vestes da Ku-Klux-Klan ajudam a criar o atual ambiente que se
pretende retratar. A partir daí, o mistério é mais concreto, a verdade menos
mistificação e todo o resto mais presente, mais conferível, até mais lógico. A
liberdade e nossos irmãos negros, mais nossos irmãos e mais liberdade.
Belo espetáculo, não
obstante as dúvidas expostas. Entre
elas, uma certeza de que algo de novo continua a processar-se no plano técnico
e estético dos valores postos em cena por Augusto Boal. No âmbito restrito da
arena e utilizando simples acessórios, Boal pulveriza o espaço através de uma
marcação que leva os intérpretes às mais belas imagens: cor, luz, ritmo, beleza
plástica, harmonia total. O desenvolvimento da ação faz-se de forma
empolgante, por vezes magistral. A originalidade e a força do espetáculo estão
em tudo quanto se recria naquele chão: vozes, gestos, cânticos, tudo se plasma
para formar essa pequena maravilha que é “Arena conta Zumbi”, apenas como realização
teatral. Os atores, muito bem. Guarnieri e Sfat, melhores. É, sobretudo, em
face destes méritos que nos faz pena não aceitar integralmente a problemática
que a peça sugere, mas não conseguiu transmitir.
terça-feira, 9 de abril de 2013
Um pouco de poesia
Brinquedos
João tinha um cão
um burro e um pião
e gostava dos três
pela mesma razão
mas amor por amor
amava mais o cão
Jogava o pião
no ar ou no chão
Jogava e rodava
na palma da mão
Como João se orgulhava
do seu rijo pião
Com a doce ilusão
de ter uma alazão
cavalgava o jumento
sempre ao lado do cão
por caminhos de vento
e horizontes em vão
João tinha um cão
um burro e um pião
e gostava dos três
pela mesma razão
mas amor por amor
amava mais o cão
Jogava o pião
no ar ou no chão
Jogava e rodava
na palma da mão
Como João se orgulhava
do seu rijo pião
Com a doce ilusão
de ter uma alazão
cavalgava o jumento
sempre ao lado do cão
por caminhos de vento
e horizontes em vão
O Poeta Descalço
Lisboa, 1978.
sexta-feira, 5 de abril de 2013
Gorki e seus inimigos
Espetáculo: Os inimigos
Autor: Máximo Gorki
Diretor: José Celso Martinez Corrêa
1966, fevereiro, Teatro Brasileiro de Comédia
Gorki e seus Inimigos
Autor: Máximo Gorki
Diretor: José Celso Martinez Corrêa
1966, fevereiro, Teatro Brasileiro de Comédia
Gorki e seus Inimigos
Creio que não terá sido por
simples coincidência que no átrio do TBC, sexta-feira última, noite de estreia
para a crítica da peça de Gorki, Os Inimigos, se vendia, entre outros livros,
os ensaios de Plekhanov, Arte e Vida Social. Sendo ele um dos principais
teorizadores marxistas e lúcido crítico desta peça, cuja defesa fez um ano após
ter sido escrita e editada, talvez seja muito útil lê-lo para se ter uma noção
mais exata da importância de Os Inimigos no contexto da dramaturgia universal.
Claro que pode argumentar-se, associando as ideias de um, ao texto dramático do
outro, que as conclusões são óbvias. Mas, insisto, não obstante, pois o
expectador mais exigente tem oportunidade de conferir a validade da discussão
que a crítica idealista e impressionista ainda hoje propõe sobre a atualidade
da peça. Para os outros, os que não se preocupam com uma visão especulativa dos
problemas que derivam da peça, proponho que adotem a velha sentença de Spinoza:
“interessam-me os atos humanos, mas não para rir-me deles, nem para deplorá-los,
nem sequer para detestá-los, mas simplesmente para compreendê-los”. E mais: que
leiam com muita atenção o programa que o Oficina distribui. A opção de uns e de
outros, junto, porém, aquela que me perece dever ser a minha: qual a
perspectiva histórica, segundo a qual devem ser interpretados e compreendidos
os fatos e atos humanos cujas analogias se devem estabelecer entre duas épocas
(1905-1966), dois povos (o russo e o brasileiro) e duas situações psicossociais
(o prelúdio da Revolução Socialista e a decadência do neo-capitalismo)? Por
isso acho melhor ler Plekhanov, pois a resposta é longa. Comecemos por saber
que todo o sistema histórico sempre tende por anular o conceito orgânico que
lhe serve de estrutura. Daí o dilema: para ultrapassar um é necessário suprimir
o outro. Ora, o espectador brasileiro, a quem o diálogo do Teatro Oficina é proposto,
na sua maioria é constituído por uma elite pequeno-burguesa, de certo modo
intelectual ou intelectualizada, que pensa uma coisa e faz outra. Digamos mesmo
que esse público (não tenhamos ilusões: senão levarem Os Inimigos ao povo, o
povo não vai a Os Inimigos) é formado por uma ínfima camada de protótipos
multirraciais, cujos conceitos dos sistemas históricos, especialmente aqueles
em que vive, se fundamentam nas mais díspares interpretações: sobrenatural,
heroica, física, sócio-biológica, racial, menos a interpretação materialista da
história. Aqui as exceções confirmam a regra. E sendo assim, resta-nos ver a
peça sob dois ângulos opostos: se for para justificar
os fenômenos políticos que eclodiram doze anos depois, a peça é romântica, os
personagens são esquemáticos, a mensagem é obsoleta. Mas se for para explicar (e assim deve ser) o
aparecimento de ideias como reflexo de uma realidade objetiva externa,
obedecendo, como obedece, o conflito dramático à força de uma psicologia e
dinâmica da vontade e do pensamento de um povo, limitado por condições
materiais e por uma psicologia coletiva que se assemelha, ainda hoje, a uma
realidade atual, no caso, flagrantemente brasileira, então os Os Inimigos é um
espetáculo polêmico, exemplar e muito importante. Mais: não obstante a falência
dos movimentos operários europeus, que fizeram do seu espírito de classe um
companheirismo romântico, responsável entre as duas guerras, pela decadência
democrática, o espetáculo apresentado pela equipe do Teatro Oficina tem um
significado histórico adentro do nosso teatro. Mas será necessário que o espectador
lhe retire toda a especulação política, quiçá demagógica ou panfletaria, que,
aliás, Os Inimigos só possuem na medida em que tal lhe seja atribuída. Ao
contrário, deve conferir-se ao espetáculo o valor expresso de uma demonstração
realística da identidade de situações humanas, que valem por si mesmas, como
prova de uma denúncia feita por artistas conscientes de sua missão e
responsabilidades, artistas que honram a sua arte e a sua condição de
brasileiros.
terça-feira, 2 de abril de 2013
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